Mais perdido que cego na Blitzkrieg
Última modificação: 06/05/2020
Estou a menos de uma semana na Alemanha e já são tantas as coisas para contar que fica difícil entrar em detalhes, mas posso dizer que foram, por enquanto, os dias mais difíceis da minha vida. Terça-feira, a tarde, deixei o Brasil. Por sorte, encontrei, algumas semanas antes, outra pessoa que viria para Karlsruhe, e conseguimos comprar uma passagem de avião pro mesmo dia. Então lá fomos, Annelisa, Timmy e eu, juntos para a Alemanha.
Fazia tempo que eu não me sentia tão ansioso quanto me senti no momento de embarcar, mas essa sensação, estranhamente, passou logo que sentei no avião. O primeiro trecho foi de Curitiba à São Paulo e o segundo de São Paulo para Frankfurt. No aeroporto de São Paulo tivemos a sorte de encontrar outros alunos da UFPR, que por coincidência também compraram a passagem para o mesmo dia, e que, por mais conincidência ainda, também iriam fazer intercâmbio em Karlsruhe!!! Logo conversamos um pouco e ficamos todos amigos. Assim que entramos no avião para Frankfurt, os acentos que haviam sido reservados para nós, que eram lugares com um pouco mais de espaço para as pernas, para poder acomodar o Timmy deitado no chão, não poderiam ser usados porque eram saídas de emergência. Chamaram a chefe de cabine do voo e prontamente ela disse uma frase que eu não iria me esquecer: “Vou dar para vocês um upgrade.” E lá fomos, amigos. Viajando feito reis, porque não tinha como ficar melhor. Na real até tinha; Inicialmente pensei que estávamos na primeira classe, mas na verdade era a business class. A primeira classe, pelo que dizem, era melhor ainda. Seja primeira classe, ou não, o lugar onde eu estava já era ótimo o suficiente.
Sentamos na fileira do meio do avião, onde haviam 3 bancos. Eu fiquei no do meio, a Anne no da direita e o Timmy deitou no chão na frente do banco da esquerda. Os bancos deitavam completamente até virarem uma cama, a comida era muito boa, as bebidas existiam de todo tipo e a vontade. Quando ofereceram champagne eu apenas aceitei uma taça e pensei comigo mesmo: “Like a boss!!” A viagem foi, particularmente, tranquila, até que lá por duas da manhã, quando eu já tinha conseguido pegar no sono, o avião sofre uma turbulência, e faz uma caída brusca, como se estivessemos em uma descida leve de uma montanha russa. Sério, eu acordei dando um pulo, assustado pra caralho enquanto outras pessoas davam uns gritinhos contidos. E o Timmy? Levantou a cabeça, imagino que com uma cara de “What the fuck man” e voltou a dormir. Falando no Timmy, ele me surpreende cada vez mais. Com certeza essa foi a viagem mais longa que fizemos juntos de avião. Isso significa que ele não pode ir ao banheiro por várias horas, mas ele aguentou super bem e foi comportado deitadinho no seu canto. Good boy!
Quando chegamos em Frankfurt uma pessoa do aeroporto veio para me ajudar. Ela só falava Alemão e, desde aquele momento, eu ia ter que ir praticando os meus conhecimentos no novo idioma, quais diga-se de passagem, são bem precários, ainda. Consegui responder as perguntas da mulher no geral e logo conseguimos nossas malas. Pegamos um trem para Karlsruhe e na estação final uma pessoa viria me buscar.
Foi quando me levaram para a minha nova casa que os problemas começaram.
O lugar que eu estava alocado era muito longe da universidade, do centro… de tudo. O ambiente era ótimo, um apartamento pequeno com quarto e cozinha junto e um banheiro. Porém, como eu disse, muito fora de mão para mim que preciso andar, ao invés de usar a bicicleta, que é o principal meio de transporte por aqui.
Como eu cheguei depois das 4 da tarde, o responsável pelo alojamento não se encontrava mais lá. Isso significava que eu não podia assinar o contrato, conseguir utencilhos básicos de sobrevivência e por aí vai. O chuveiro estava desconectado, não havia nenhum talher, a internet não funcionava, eu não tinha roupa de cama, cobertor… e o pior, eu não sabia andar sozinho para chegar até o centro para comprar essas coisas.
A pessoa que me deixou lá logo teria que sair, mas antes disso conseguiu chamar um estudante de Karlsruhe, que iria me ajudar no que eu precisasse. O cara foi muito gente boa. Ele foi até onde eu ficava, me trouxe algumas coisas incluindo um cobertor. Saí para dar uma volta com ele pela cidade e no pequeno trajeto que fizemos para chegar até a estação de trem eu comecei a perceber que estaria perdido se ficasse naquele lugar. O lugar era uma área muito residencial onde a rua que passava em frente também servia como calçada. O que não impedia os carros e as bicicletas de passarem. Além disso, era preciso atravessar uma rua, que não tinha semáforo e era bem movimentada. Seria algo tranquilo em outras circunstâncias, onde eu poderia pedir ajuda para atravessar, mas como o lugar era bem residencial mesmo, o número de pessoas na rua é quase nulo.
Os problemas começaram a aparecer cada vez mais a medida que fazíamos nosso caminho para o centro da cidade. Era preciso pegar dois trems para chegar, fazendo uma baldeação que não era muito fácil de adivinhar o trem correto a se pegar quando não se enxerga. Na quarta-feira, quando voltei para casa depois do passeio, eu me senti muito deprimido. Tudo parecia conspirar para não dar certo e quando eu notei que nem uma faca eu tinha para abrir a comida do meu cachorro, eu sentei e comecei a refletir sobre tudo que eu havia decidido fazer. Naquele momento tudo parecia errado. Os meus pontos fracos mais críticos se mostravam a cada momento. Eu tenho dificuldades em me deslocar em uma área nova, onde ninguém me mostrou o caminho de onde são as coisas. As travessias de ruas que eu não podia fazer direito nem mesmo com a ajuda do Timmy. A falta da Internet, o que me tirava a comunicação, que me é tão útil na hora de buscar informações para resolver meus problemas, seja lá qual for sua natureza. O alojamento que eu me encontrava estava totalmente vazio, o que me impossibilitava de pedir ajuda para alguém. Como é ainda época de férias, a maioria dos alemães não se encontram por aqui. A união de tudo isso estava me assustando pra valer.
Na quinta-feira, esse sentimento de derrota se abateu mais uma vez sobre mim e nessa hora eu quase desisti de tudo. Como se não bastasse todos os problemas que eu estava tendo, a pessoa que eu havia combinado de me encontrar as 11 da manhã para me levar ao centro comprar as coisas básicas e me encontrar com meus amigos brasileiros não apareceu. Eu notei mais uma vez um ponto fraco meu vindo a tona, onde eu dependia de uma pessoa exclusivamente para resolver meu problema. Com fome, querendo tomar banho, sem saber onde eu estava, essas coisas começaram a me sufocar cada vez mais. É estranho tentar explicá-las agora em palavras, onde eu apenas as listo e não consigo passar a emoção suficiente que elas me passavam, aquela sensação opressora que eu estava sentindo. Lembro que respirei fundo e pensei se havia algum modo de resolver tudo aquilo… havia. A pessoa que iria me buscar finalmente apareceu. Era o mesmo estudante alemão do dia anterior, que pedia desculpas após chegar andando no lugar onde eu morava arrastando sua bicicleta, qual quebrou no caminho.
Fomos para o centro e logo rodamos vários escritórios da universidade para conseguir me trocar de lugar. A ajuda desse cara foi ótima, porque ele discutia com cada um que a gente encontrava no caminho para conseguir o contato dos superiores que realmente poderiam fazer alguma coisa. Conseguimos um outro alojamento temporário para eu ficar durante o final de semana. Era o mesmo que outro estudante brasileiro, que eu encontrei no aeroporto, mora. O nome dele é Felipe e o cara está me dando uma ajuda inestimável nesses últimos dias. Segunda-feira haverá uma reunião para ver onde eu realmente vou ficar. A idéia é que eu fique nesse quarto e a pessoa que viria para cá, na segunda, fique com o meu antigo. Ou se isso não der certo, o Felipe vai para o meu outro quarto e eu fico com o dele nesse lugar, mas não há nada certo,por enquanto. Parece que me alocaram nesse lugar super longe inicialmente porque era o único lugar que aceitavam cachorro, e por isso não fiquei em outro mais perto. Mas haverá uma reunião, como eu disse, para decidir tudo isso e espero que o resultado seja positivo. Agora sim, as coisas estão começando a dar certo.
Na sexta e sábado saí com o pessoal do Brasil e alguns alemães, afinal, agora eles conseguem me achar porque moro ao lado da universidade!!! Já aprendi o caminho para uma farmácia, um mercado, dois restaurantes e a própria universidade. Estou pouco a pouco aprendendo como se faz comida, como se limpa o quarto, e cada vez menos as pessoas precisam me ajudar com alguma coisa.
Esses dias me fizeram pensar muito sobre o que significa ser independente. Por um tempo achei que eu não seria capaz de ser. Com certeza existem coisas que eu não posso fazer, e outras que terei dificuldade. Mas o que eu percebi também, é que se eu tenho as chances necessárias, um apoio inicial, eu posso muito bem atingir os meus objetivos.
Agora que moro em um lugar mais acessível, consigo ir a pé em todos os lugares que eu quero. Consigo, também, me encontrar com as pessoas que podem me dar uma força quando eu preciso.
No mais, sexta e sábado consegui aproveitar um pouco de Karlsruhe. Passeamos, fizemos algumas compras no mercado, e descobrimos cada dia um pouco mais sobre a cidade. Me impressiona o fato das calçadas aqui serem todas lisas e perfeitas facilitando muito na acessibilidade. Quase todos os semáforos por aqui tem um botão que você aperta, e quando o sinal está verde, esse botão vibra, indicando que é seguro atravessar. Além disso, existe uma pequena seta sobre esse botão, indicando a direção do cruzamento que esse semáforo controla, é realmente incrível! A maioria dos alemães que interagimos nos trataram super bem. Bati um papo de uns 5 minutos com uma mulher na farmácia, quando eu tentava encomendar um remédio, tudo em alemão, e foi muito legal. Outra hora entramos, também, em uma loja de violinos para ver os preços, e eu, não sei como, consegui conversar com a mulher sobre que tipo de violino eu queria, faixa de preço, tipo de arco, tipo de queixeira e muito mais. Domingo irei em um churrasco organizado por outros brasileiros que já moram aqui em Karlsruhe. Acho que vai ser bacana e espero que haja alemães por lá para que possamos praticar o Deutsch. Depois dos dois primeiros dias, que foram um inferno, sinto que as coisas vão começar a melhorar. Ainda existem problemas, com certeza, a diferença é que agora posso enfrentá-los em separado, estando alimentado, de banho tomado e com o cachorro, também, de estômago cheio :P Auf Wiedersehen!
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